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terça-feira, 2 de outubro de 2012

Manuela





Ela fumava uns baratinhos de vez em quando e lia revistas em quadrinhos. Só bebia cerveja preta, dizia que fazia bem pra si mesma. Saía com a penumbra da noite como se fosse o amado namorado e se divertia no dobrar do vento entre as árvores mal aguadas das ruas. Manuela sempre seguiu seu rumo sozinha, se via no espelho que comprou com o dinheiro que havia recebido em seu miserável emprego de faxineira. Nunca assinou carteira, não se faz isso com 17 anos. Ela dizia ter autonomia pra cuidar de si e morar sozinha.

As vezes ela tinha um teto sobre sua cabeça, as vezes ela só tinha sacolas de lixo cheias de roupas, um colchão velho e a luz das estrelas para se banhar. "-Um dia, quem sabe,  terei uma casa por muito mais que um mês, será minha casa.-" dizia a sonhadora Manuela, a mesma Manuela que era expulsa do trabalho sem nenhum motivo, só ciumes da 'patroa' ou as vezes substituída por alguém melhor, de uma idade mais avançada e mais qualificado para o serviço de lavadeira, passadeira, arrumadeira e cozinheira.

Manuela foi confundida com prostituta, várias vezes, e  alguns dias ela cedeu, rendia-lhe um bom café da manhã e almoço. Olhava-se no espelho todos os dias, sentindo-se velha e cada vez mais velha. Velha, cansada e sozinha. Só os gatos lhe davam companhia, juntos com os pombos os ratos e baratas. A velha mais jovem que eu conheci. Com vinte anos ela parecia ter trinta e cinco. A vida não é justa ou boa com quem tem sonhos por demais a oferecer. Ela adoeceu nas ruas, recebeu juras de morte, foi espancada, estuprada e injustiçada, todos os dias era injustiçada. Ela não tinha mais aparência pra ser faxineira, virou mendiga, rastejava como um rato em busca de comida e cheirava mal. Se esquivava do mundo como se fosse um gato, se escondia melhor que um camaleão, as vezes, carregava aids e um novo ser. Assim ela andou, andou, andou como nos velhos tempos, quando procurava um amor pra viver o resto da vida, andou de pés descalços sobre o asfalto gélido e espinhante da madrugada, andou até achar uma luz, ela cedeu e se jogou. Manuela perdeu as esperanças, percebeu que a vida não era plástica, percebeu que não é fácil, que não se pode simplesmente viver. Ela não soube jogar, só aceitou a derrota e se entregou esperando ter mais sorte na próxima rodada, se tiver uma próxima.

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